A Dica de Leitura desta semana tem mais de uma sugestão de obras. Todas do escritor Manoel de Barros. Siga a dica e delicie-se!
Para o poeta Manoel de Barros, a linguagem é mais importante do que as ideias. E despraticar a norma é uma virtude em poesia. Manoel de Barros nasceu cuiabano, mas com um ano de idade já era pantaneiro. Seu pai comprara uma fazenda, e ali Neco cresceu, entre o gado, a lida dos vaqueiros, a natureza exuberante do Pantanal e as "desimportâncias". Conforme relata: "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, dos caramujos, das largatixas. "Era o apogeu do chão e do pequeno".
Depois de estudar em internato no Rio de Janeiro, onde se encantaria com Padre Vieira e Rimbaud, e de passar um ano em Nova York, onde estudaria cinema e artes plásticas, Manoel de Barros enfiou-se no Pantanal, em 1949, para tornar-se fazendeiro, sem deixar de publicar seus livros, que já passam de duas dezenas. Em 1969, recebeu o prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra Gramática Expositiva do Chão, e, em 1997 O Livro Sobre Nada recebeu o Prêmio Nestlé. No ano seguinte, receberia o Prêmio Cecília Meireles, concedido pelo Ministério da Cultura.
Quatro livros de Manoel de Barros fazem parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca da
Escola ( PNBE): Poeminhas Pescados numa fala de João (Ed. Bertrand Russeal), Memórias Inventadas para Crianças - A Segunda Infância (Ed. Planeta Jovem) e Poemas Rupestres (Ed. Best Seller), ambos de 2006. Manoel de Barros não gosta de gravadores e nem de computadores. Nem usa um deles para escrever sua obra. "Sou metido. Sempre acho que, na ponta do meu lápis tem um nascimento." E tem, como se vê neste poema:
Brincadeiras
No quintal, a gente gostava de brincar com palavras
mais do que de bicicleta.
principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
o céu tem três letras,
o sol tem três letras,
o inseto é maior.
O que parecia um despropósito
para nós não era despropósito.
por que o inseto tem seis letras, e o sol só tem três,
logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão, que era estudado, falou: "Que lógica que nada, isso é um sofisma."
A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n'água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou: "Mais alto que eu, só Deus e os passarinhos".
A dúvida era saber se Deus também avoava ou se Ele está em toda parte
como a mamãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no quintal, nosso amigo.
Ele obedecia à desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia, a gene destampamos a cabeça de Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore, árvore, árvore.
Nenhuma ideia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.
Fonte: BARROS, Manoel de. Memórias inventadas para crianças. Planeta do Brasil, PNBE/2005, acervo 13.
Nenhum comentário:
Postar um comentário